domingo, 3 de fevereiro de 2013

UMA VISÃO INTERIOR DO AUTISMO
Temple Grandin
Tradução de Jussara Cunha de Mello 



A FALTA DA FALA - Não ser capaz de falar era uma completa frustração. Se os adultos falassem diretamente comigo eu podia entender tudo o que eles me falavam, mas eu não conseguia colocar as palavras para fora. Era como se fosse um balbucio ou uma grande gagueira. Se eu era colocada numa situação de leve "stress", as palavras às vezes superavam a barreira e conseguiam sair. Minha fonoaudióloga sabia como penetrar no meu mundo. Ela me segurava pelo queixo, me fazia olhar em seus olhos e dizer "bola".

Aos 3 anos de idade, "bola" saiu de minha garganta com grande esforço e soava mais como "bah". Se a terapeuta decidisse exigir muito de mim, eu fazia manha e pirraça. Se ela não exigisse de mim o suficiente, eu não fazia nenhum progresso. Minha mãe e meus professores ficavam imaginando porque eu gritava tanto. Os gritos eram a única maneira que eu tinha para me comunicar. Às vezes eu pensava logicamente comigo mesma, "eu vou gritar agora porque eu quero falar para alguém que não quero fazer determinada coisa".

É interessante que a minha fala se pareça com a fala estressada de crianças pequenas que tiveram tumores removidos do cerebelo. Rekate, Grubb, Aram, Hahn e Ratcheson (1985) descobriram que cirurgias de câncer que tenham lesado "vermis, nuclei e os dois hemisférios do cerebelo" causaram uma perda temporária da fala em crianças normais.

Os sons das vogais eram os primeiros a retornar, e a fala receptiva era normal. Courchesne, Yeung-Courchesne, Press, Hesselink e Jernigan (1988) deram a reportagem que de cada 18 autistas que funcionam num nível de alto a moderado, 14 deles têm o cerebelo menor (cerebellar vermal lobules VI e VII). Bauman e Kemper (1985) e Ritvo et al (1986) também descobriram que os cérebros de autistas tinham um número menor de células "Purkinje" no cerebelo. No meu caso, um exame de Ressonância Magnética revelou anormalidades no cerebelo. Eu sou incapaz de andar em linha reta. O teste feito pela polícia para descobrir se o motorista está bêbado, tipo "ande na linha", não funciona comigo, eu acabo tombando para os lados. Porém minhas reações são normais para outros testes de coordenação motora simples relacionados às funções ou disfunções do cerebelo.

Estímulos vestibulares algumas vezes podem estimular a fala em crianças autistas. Balançar a criança levemente num balanço às vezes ajuda a iniciar a fala (Ray, King & Grandin, 1988). Determinados movimentos suaves, coordenados são difíceis para mim, embora eu pareça bem normal para o observador casual.

Por exemplo, quando eu opero equipamentos hidráulicos que tenham uma série de níveis, eu consigo operar perfeitamente um nível de cada vez. Coordenar os movimentos para operar dois ou três níveis ao mesmo tempo é impossível para mim. Talvez isso explique porque eu tenho tanta dificuldade em aprender a tocar um instrumento musical, embora eu tenha um talento musical nato para melodia e tonalidade. O único "instrumento" que eu consegui aprender é assoviar com minha boca.

Quer saber mais sobre o Autismo através dos relatos de Temple Grandin?

terça-feira, 29 de janeiro de 2013










Leonardo de Castro Araújo tem 29 anos, é discreto, educado, fala bem, terminou o curso de biomedicina na Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), procura um emprego em sua área e vislumbra ingressar numa pós-graduação como projeto principal para 2013. Sua história seria só mais uma entre tantas outras de jovens que buscam um lugar ao sol, não fosse um detalhe, imperceptível a um primeiro olhar. Léo, como gosta de ser chamado, tem Síndrome de Asperger, que está associada ao espectro autista. O autismo leve pode até ser confundido com uma timidez acentuada, mas ele sabe que é diferente. A estrada até conseguir um diploma de curso superior foi árdua. A briga por um espaço no mercado de trabalho também tem sido. A sanção, pela presidente Dilma Rousseff, da Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista renova as esperanças de Léo e de pessoas como ele de que o Brasil caminhe rumo à inclusão. A lei completa um mês neste domingo (27).

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013


COMO SERIA ESTAR POR TRÁS DOS OLHOS DE UM AUTISTA?


 

O autismo me prendeu dentro de um corpo que eu não posso controlar" - conheça a história de Carly Fleischmann, uma adolescente que aprendeu a controlar o autismo para se comunicar através de palavras escritas em um computador após 11 anos de enclausuramento dentro de si mesma, e assista também o vídeo interativo "Carly's Café", no qual você poderá vivenciar alguns minutos da experiência de um autista por trás dos olhos de um.
     Lê se na tela de um computador: "Meu nome é Carly Fleischmann e desde que me lembro, sou diagnosticada com autismo", a digitação é lenta, a ideia não é concluída sem algumas interrupções, é assim que Carly trava contato com o mundo. Carly é uma adolescente de Toronto, Canadá, e atravessou uma batalha na vida. Ajudada pelos pais, ela conseguiu superar a barreira máxima do isolamento humano.
     “Quando dizem que sua filha tem um atraso mental e que, no máximo atingirá o desenvolvimento de uma criança de seis anos, é como se você levasse um chute no estômago", diz o pai de Carly. Ela tem uma irmã gêmea que se desenvolvia naturalmente, e aos dois anos, ficou claro que havia algo de errado. Ela estava imersa no oceano de dados sensoriais bombardeando seu cérebro constantemente. Apesar dos esforços dos pais, pagando profissionais, realizando tratamentos, ela continuava impossibilitada de se comunicar e de ter uma vida normal. O pai de Carly explica que ela não era capaz de andar, de sentar, e todos doutores recomendavam: "Você é o pai. Você deve fazer o que julgar necessário para esta criança".
 
Eram cerca de 3 ou 4 terapeutas trabalhando 46 horas por semana. Os terapeutas acreditavam que Carly fosse mentalmente retardada, portanto, sem esperanças de algum dia sair daquele estado. Amigos recomendavam que os pais parassem o tratamento, pois os custos eram muito altos. O pai de Carly, no entanto, acreditava que sua criança estava ali, perdida atrás daqueles olhos:
"Eu não poderia desistir da minha filha".
    
Subitamente aos 11 anos algo marcante aconteceu. Ela caminhou até o computador, colocou as mãos sobre o teclado e digitou lentamente as letras: H U R T - e um pouco depois digitou - H E L P. Hurt, do inglês "Dor", e Help significa "Socorro". Carly nunca havia escrito nada na vida, nem muito menos foi ensinada, no entanto, foi capaz de silenciosamente assimilar conhecimento ao longo dos anos para se comunicar, usando a palavra pela primeira vez, em um momento de necessidade extrema. Em seguida, Carly correu do computador e vomitou no chão. Apesar do susto, ela estava bem. "Inicialmente nós não acreditamos. Conhecendo Carly por 10 anos, é claro que eu estaria cético", disse o pai.
     Os terapeutas estavam ansiosos para ver provas e os pais incentivavam Carly ao máximo para que ela se comunicasse novamente. O comportamento histérico de Carly permanecia exatamente como antes e ela se recusava a digitar. Para força-la a digitar, impuseram a necessidade. Se ela quisesse algo, teria que digitar o pedido. Se ela quisesse ir a algum lugar, pegar algo, ou que dissessem algo, ela teria que digitar. 
Vários meses se passaram e ela percebeu que ao se comunicar, ela tinha poder sobre o ambiente. E as primeiras coisas que Carly disse aos terapeutas foi "Eu tenho autismo, mas isso não é quem eu sou. Gaste um tempo para me conhecer antes de me julgar.
 
     A partir dai, como dizem os pais, Carly "encontrou sua voz" e abriu as portas de sua mente para o mundo. Ela começou a revelar alguns mistérios por trás do seu comportamento de balançar os braços violentamente, e de bater a cabeça nas coisas, ou de querer arrancar as roupas: "Se eu não fizer isso, parece que meu corpo vai explodir. Se eu pudesse parar eu pararia, mas não tem como desligar. Eu sei o que é certo e errado, mas é como se eu estivesse travando uma luta contra o meu cérebro".
 
     "Eu gostaria de ir a escola, como as outras crianças. Mas sem que me achassem estranha quando eu começasse a bater na mesa, ou gritar. Eu gostaria de algo que apagasse o fogo". Carly explica ainda que a sensação em seus braços é como se estivessem formigando, ou pegando fogo. Respondendo a uma das perguntas que fizeram a ela, sobre porquê às vezes ela tapa os ouvidos e tapa os olhos, ela explica que isso serve para ela bloquear a entrada de informações em seu cérebro. É como se ela não tivesse controle e tivesse que bloquear o exterior para não ficar sobrecarregada. Ela explica ainda que é muito difícil olhar para o rosto de uma pessoa. É como se tirasse milhares de fotos simultaneamente com os olhos, e é muita informação para processar. O cérebro de Carly não possui a capacidade de catalizar a quantidade imensa de informações para os sentidos, e consequentemente, ela não pode lidar com a quantidade excessiva de informação absorvida.
     Segundo o pai de Carly, ela faz questão de dizer, que é uma criança normal, presa em um corpo que a impede de interagir normalmente com o mundo. O Pai de Carly teve a chance de finalmente conhecer a filha. A partir do momento em que ela começou a escrever, se abriu para o mundo. Carly hoje está no twitter e no Facebook. 
    Ela conversa com as pessoas e responde dúvidas sobre o autismo. Com ajuda do pai ela escreveu um livro chamado Carly's Voice (A voz de Carly). Entre os mais variados comentários que ela recebe sobre o livro, um crítico disse: "A história de Carly é um triunfo. O autismo falou e um novo dia nasceu".
 
Veja algumas perguntas respondidas por Carly 
que ajudam a elucidar algumas questões do autismo:
Questão 1: 
      Carly, você pode me dizer porque meu filho cospe todo o tempo? Ele tem todos os outros tipos de comportamento também: Bater a cabeça, rolar, balançar os braços, mas o cuspe é asqueroso e realmente faz com que as pessoas queiram ficar longe dele. Alguma ideia?
       Carly: Eu nunca cuspi, quando era criança. No entanto, eu babava, e sentia como se cuspisse. Hoje eu percebo que eu nunca soube como engolir a saliva. Eu nunca usei minha boca para falar, e por isso, nunca usei os músculos da boca. Quando você tem saliva presa na sua boca, existem poucas maneiras de se livrar do desconforto. Tente dar a ele alguns doces por duas semanas. Isso vai fortalecer os músculos e ensina-lo a engolir a saliva.
        Questão 2: 
       Meu garoto de quatro anos grita no carro toda vez que o carro para. Ele fica bem, desde que o carro mantenha-se em movimento. Mas uma vez que parou, ele começa a gritar. É uma mania incontrolável.
      Carly: Eu adoro longos passeios de carro. O carro em movimento, e o visual passando rapidamente permite que você bloqueie outros impulsos sensoriais e foque em apenas um. Meu conselho é que você coloque um DVD no carro com cenário em movimento.
       Questão 3: 
       Você alguma vez já gritou sem razão nenhuma? Mesmo com o semblante feliz, e tudo calmo e relaxado, mas você apenas começa a gritar? Minha filha às vezes faz isso e eu estou tentando entender o porquê.
        Carly: Ela está filtrando o áudio e quebrando os sons, ruídos e conversações através do dia. Além de gritar, ela poderá chorar, rir alto e até demonstrar raiva. É a nossa reação por finalmente entendermos algo que foi dito há alguns minutos, alguns dias ou alguns meses. Está tudo ok com ela.
        Questão 4: 
      Como eu faço com que um adolescente pare com movimentos repetitivos na classe? Ele diz que os professores são chatos e que é muito mais divertido na cabeça dele. Eu sei que é, mas ele está perdendo todas as instruções e leituras. Eu estou sempre redirecionando ele, mas ele está perdendo tanto. Me ajude.
     Carly: Ok. Preciso limpar uma má interpretação sobre o autismo. Se uma criança está fazendo movimentos repetitivos, não quer dizer que ele ou ela não esteja escutando. De fato, ela escuta melhor se ela estiver fazendo esses movimentos. Eu estou estudando e ainda faço movimentos na classe. Eu tento ser discreta, como se estivesse enrolando um pequeno pedaço de papel nos meus dedos. Todos fazem movimentos repetitivos. Pense nos desenhos que você faz quando está no telefone, ou enrolando a ponta dos cabelos, ou enroscando o lápis entre os dedos. Isso é um "stim" (uma movimentação repetitiva). Não há nada de errado com isso, mas às vezes é melhor tentar ser discreto.
*GUSTAVO SERRATE
Jornalista e cineasta independente de Brasília. Interesses transitando pelo cinema, quadrinhos, fotografia, video making, motion design e toda forma de cultura independente ou marginalizada.
30.12.2012
PONTO CEGO
incubador de pensamentos